Um pouco sobre os Indígenas PE

Médicos na floresta: os indígenas e as doenças dos brancos

Durante conversa da reportagem com a pediatra, um dos coordenadores da expedição interrompeu com voz alta, demonstrando a gravidade do caso: ele trazia nos braços um bebê de um ano, em estado avançado de desnutrição. Com apenas seis quilos – peso de uma criança com a metade de sua idade –, estava estático, com a cabeça caída nos ombros e os olhos fixos e secos, sem reação. No consultório improvisado em uma sala de aula da aldeia Xavante de São Pedro, na Terra Indígena Parabubure, Mato Grosso, todos entraram em alerta.
Os dois pediatras e uma equipe de enfermeiros começaram os procedimentos de emergência. “Soro rápido!”, “Adrenalina, glicose”, “Consegui uma veia!” Fora da sala, a mãe, uma jovem Xavante também visivelmente desnutrida, está tensa. Ela e a repórter são brasileiras, mas não falam a mesma língua. Segurei a mão dela e permanecemos nos olhando, em comunicação silenciosa, até sermos interrompidas pelo que parecia um milagre: o choro baixinho da criança. É por isso que esse profissionais ou voluntários vão até lá.
Eles são os Expedicionários da Saúde, organização não-governamental de São Paulo, que desde 2003 coordena equipes de médicos, enfermeiros, dentistas e voluntários para levar atendimento médico gratuito e de ponta para aldeias indígenas. No meio da floresta, um conjunto de tendas forma um complexo de saúde, com equipamentos modernos e profissionais de referência dos principais hospitais do país. Durante alguns dias, as tribos se transformam em centros médicos, que oferecem consultas clínicas, ginecológicas, odontológicas e cirurgias de hérnias e de cataratas.
A expedição Xavante, realizada em agosto do ano passado, foi a 29ª do grupo. Contava com sete oftalmologistas, dois clínicos, dois pediatras, quatro cirurgiões, quatro anestesiologistas, três ginecologistas, sete enfermeiros, quatro dentistas, dez funcionários de logística e 15 voluntários. O trabalho conjunto permitiu que nos dez dias em que estiveram entre os Xavante fossem realizadas 223 cirurgias gerais e oftalmológicas, 1.504 consultas médicas e odontológicas e 3.400 exames e procedimentos.
A preparação para a expedição começa com uma visita percursora, na qual representantes da ONG pedem autorização para as lideranças indígenas para realizar o trabalho. Um grupo de médicos se desloca para a aldeia para capacitar enfermeiros e agentes de saúde indígena, um mês antes da expedição. São eles que fazem a triagem dos pacientes nas aldeias, sobretudo os que passarão por cirurgias de cataratas e hérnias. Com o levantamento em mãos, a coordenação dos Expedicionários da Saúde determina quantos profissionais e quais equipamentos serão necessários.
Uma expedição custa em média R$ 100 mil, angariados junto a empresas parceiras da ONG, também responsáveis pela doação dos medicamentos e pelo aluguel dos equipamentos médicos. “Enquanto formos para dentro das aldeias fazer esse trabalho, os índios não precisarão sair de lá. Se eles ficam, a floresta continua de pé”, defende o cirurgião geral Fábio Atui, que coordena a ONG. “Nosso trabalho é oferecer serviço de saúde de qualidade sem interferir na cultura deles.”
“A expedição foi importantíssima para o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Xavante. Já entrei em contato com a administração da ONG para negociar a possibilidade de uma próxima. Se eles não tivessem vindo até aqui, possivelmente a maioria dos nossos pacientes ainda estariam aguardando as cirurgias”, afirma o coordenador do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena (DSEI) Xavante, Cláudio Rodrigues, ligado ao Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI)do Ministério da Saúde. “Os Xavante são prejudicados pela demora para agendar consultas com os especialistas. Demora até para exames de rotina. Já tivemos que acionar o Ministério Público para garantir atendimento.”